maio 31, 2010

Lygia Clark e John Cage


Dois encontros, quase mágicos e singelos, marcaram com grande satisfação e prazer minha temporada carioca.

JOHN CAGE numa palestra na Funarte, no dia anterior a um concerto na Sala Cecília Meireles.

Se despedindo após a fala, com um sorriso carinhoso zen, Cage continuou próximo da mesa, como que a esperar a continuação do diálogo com os presentes. Como eu estava na primeira fila, fui dos primeiros a me aproximar.

Impressionado pela situação mítica, fiquei igual a um bobo trocando um olhar meio cúmplice com o mestre que percebeu a situação e foi muito gentil. Balbuciei uma pergunta que ele respondeu com delicadeza e... já estavam chegando Wally Salomão e sua trupe agitada, para comandar o final da festa. Inesquecível...

LYGIA CLARK num prédio de escritórios no centro do Rio.

Meu marchand Paulo Klabin, que tinha alguns ‘Bichos’ da Lygia no seu escritório/galeria na Gávea me fez o convite: ‘Sei que você é apaixonado, então apareça no encontro com a Lygia’. Era um encontro fechado, não divulgado e dedicado a colecionadores.

O lugar era um edifício antigo próximo da Embaixada Americana. Cheguei cedo e fiquei tomando um uísque. Ganhei uma cópia de um livreto editado em forma de cordel escrito pela Lygia, mas estava meio deslocado no ambiente sem conhecer ninguém além do Paulo.

De repente a porta do escritório se abriu e lá estava ela, no momento parecia minha mãe. Logo atrás vinha um verdadeiro séquito de umas oito pessoas. O ambiente se transformou. Ela caminhava calmamente, chegou próximo a mim e cumprimentou. Fui o único a receber esse tratamento... depois ela entrou num outro ambiente fechado, de onde não mais saiu nos trinta minutos seguintes que permaneci no local.

Acalmei minha excitação com mais algumas doses de uísque e voltei pra casa para uma noite feliz!

[ilustrando: montagem Lygia e Cage, imagens da internet sem créditos]

Veredas Mutantes

1. MUDANDO DE NOME

Ainda em 83, ao perceber as transformações radicais no sistema da arte, acreditei ser o momento apropriado para uma mudança de nome. Atílio Gomes Ferreira = Nenna. No início Nena B.

Pretendia desenvolver uma carreira internacional e o novo nome foi criado em função disso. Já tinha percebido, em viagens pelos Estados Unidos e Europa, as dificuldades que o nome original trazia na pronúncia, além de eu não ter participado – claro – da escolha. Queria me livrar das ‘energias’ que o nome trazia...

Ao ler uma matéria jornalística sobre o fato de alguns índios da Amazônia trocarem de nome durante a vida, se apropriando de outros e dando em troca um presente, fiz o mesmo ritual. Presenteei meu irmão Antônio com uma gravura e me apropriei de seu apelido.


2. COCAÍNA

Os anos 80, trouxeram além da pós-modernidade, a mudança da droga de plantão: a singela e sensível cannabis passava a segundo plano, enquanto a hiperativa, agressiva e avassaladora cocaína assumia a cena.

Comecei um período de abuso que se refletiu nos relacionamentos profissionais e pessoais, amplificados pela insatisfação com o mundinho careta e superficial que a arte tinha tomado. Deixava de existir um relacionamento crítico/jornalístico e passava a imperar o poder dos marchands e colecionadores, pois a curadoria e o universo acadêmico ainda não tinham chegado ao estágio de poder que desfrutam atualmente.

Hoje enxergo claramente a influência da droga nos aspectos negativos de minha individual [não do ponto de vista das obras, mas da produção, divulgação e decisões] assim como no meu distanciamento de Paulo Herkenhoff.

[ilustrando: estudo para Pintura Carioca, 1984]

maio 27, 2010

Outras Veredas


Enquanto decidia na escolha do espaço pra primeira individual, navegava pelas águas do Rio.

Como numa tarde no Aterro, caroneado mais uma vez por Lygia Pape e ouvindo os detalhes de como ela tinha encontrado Helio Oiticica: estranhando a falta de notícias combinadas, ela foi até o apartamento e depois de conseguir entrar encontrou o Hélio com a mão esticada em direção da porta, caído no chão. Era o adeus terrestre, após uma noitada na Mangueira...

Já no Parque Laje, cenário do Geração 80, encontro com o filosofo ‘underground’ Luiz Carlos Maciel que me convida para dirigir um vídeo que faria parte da montagem de ‘Jango’, texto de Glauber Rocha. Após alguns ensaios e reuniões o projeto desandou...

Ainda nas cervejas do Parque Laje faço minhas críticas ao ambiente ‘careta’ que o pós-modernismo tinha inserido no ambiente... com Hilton Berredo comento sobre a reativação do Salão Nacional, e aviso que não participo de ‘concursos artísticos’, mesmo tendo recebido sinalizações que eu teria altas possibilidades de ser incluído. O Hilton, que na época desenvolvia uma obra interessante, em alguns momentos influenciada pelos ‘Trepantes’ de Ligia Clark discorda, se inscreve no salão e... fica de fora.

Na mesma época, verão de 1984 já morando no Leblon, escrevi o longo poema/argumento para um vídeo, ‘Vereda Tropicália’, que narra uma viagem partindo do Rio, que percorre o norte do Espírito Santo. Lançado pela editora Ímã, de Sandra Medeiros, no ano seguinte.

“próximo daqui,
o chefe pojichá,
guerreiro vakman,
botocudo,
acreditando na paz
descansava em paz.

acreditando na paz,
foi trucidado. ele e toda a sua tribo.”

Galerias da cidade e um ‘novo Estilingue’

Após a mostra ‘Novos Cariocas’, chegou o momento de procurar uma galeria para comercializar as pinturas. Seria minha primeira experiência no mercado de arte.

Numa rápida passagem por Vitória, encontrei um velho conhecido, o poeta Reynaldo Jardim. Também amigo da Lygia Pape, ele me pediu para entregar alguns livros para ela. Ao chegar ao Rio, liguei pra Lygia e combinamos um encontro na Petite Galerie, em Ipanema, de Franco Terranova.

E após o encontro eu seguiria para a galeria do marchand Paulo Klabin, um dos principais em atividade na cidade, para um encontro no final da tarde. Estava negociando com ele, por indicação de Graziella Debbane.

Lygia teve problemas e desmarcou o encontro. Como não existia celular foi impossível me avisar a tempo. Aproveitando o interesse e curiosidade do Franco, acabei mostrando para ele imagens de minhas pinturas e deixando algum material sobre minha trajetória, mas informando das negociações que ainda faria com o Paulo Klabin. Saí feliz da galeria, com a promessa de que se meu papo não progredisse na Gávea, ele teria interesse no meu trabalho.

No mesmo dia fechei com a Galeria Paulo Klabin, na Gávea, e iniciei os preparativos para uma individual. Por alguns meses, mensalmente entregava duas pinturas ao marchand e recebia uma boa grana...

Mas desse encontro com o Terranova surgiu um caso que ainda não decifrei. Entre o material que deixei com ele, estavam imagens e críticas sobre o Estilingue. Passado algum tempo, quando eu já tinha retornado a Vitória, fui informado de que uma artista tinham construído um ‘Estilingue’ em frente a Petite Galerie! Dizem que existe uma matéria grande publicada na época no Jornal do Brasil... algum dia vou consultar os arquivos.

[ilustrando: PINTURA CARIOCA - acrílica s/ tela recortada, 195 x 140 cm - col. Paulo Klabin]

maio 26, 2010

Outras pinturas e as ‘Cores Voadoras’


Recentemente, numa rede social, um amigo relembrou da visita que fez ao meu atelier/residência no Jardim Botânico, em 1983. E interessante, falou das pinturas que eu estava fazendo usando aparelhos de TV como suporte, aproveitando dois que se encontravam em estado precário. Não passaram de estudos, depois descartados...

Mas lembrei de outra tentativa interessante de levar cores para suportes menos previsíveis: as ‘Cores Voadoras’.


A idéia era utilizar os pequenos aviões de publicidade que circulam pela orla nos dias ensolarados exibindo anúncios, para ‘expor’ faixas coloridas dentro da estética das ‘Pinturas Cariocas’. Cheguei a fazer alguns estudos e orçamentos, em 1984, mas não aconteceu.

Em 2007 resolvi retornar ao tema e fiz novos orçamentos e estudos. Vamos esperar o vento adequado.

[Ilustrando: estudo para a retomada, 2007 e estudo original de 1984]

Novos Cariocas

Após a encrenca do ‘Arte no Espaço’, pouco tempo depois Paulo Herkenhoff consegue me incluir, mais uma vez, numa outra pequena coletiva muito bem produzida no Centro Cultural Candido Mendes, batizada de ‘Novos Cariocas’.

Dessa vez saiu tudo tranquilo. Me lembro que participaram uns dez convidados definidos como ‘novos artistas que estavam se destacando no Rio de Janeiro’. Se não estou enganado, a curadoria foi do Marcus Lontra, um dos organizadores do evento ‘Geração 80’.

Na abertura a Lygia Pape elogiou muito o meu trabalho, não apenas a pintura, mas também a solução de adesivar a tela diretamente na parede. Era uma grande tela, com cores pastéis e seis metros na dimensão horizontal, da qual restou uma foto feita por Sagrilo. E como sempre, reaproveitada em outras pinturas...

Foi tudo bacana, mas na época, 1983, eu não sentia praticamente nenhum entusiasmo por coletivas. Adorava trabalhos coletivos, mas tinha dificuldade em me ‘misturar’ com outros artistas quando não existia qualquer relação intelectual ou afetiva. Então, o caminho natural sinalizava uma mostra individual.

[ilustrando: Pintura Carioca, 1983 exibida na mostra – foto Sagrilo]

maio 20, 2010

Arte no Espaço, literalmente...


Resolvido a pintura... onde mostrar?

Paulo Herkenhoff, que vinha me orientando, propôs que eu realizasse uma primeira individual na UFF – Universidade Federal Fluminense onde alguns dos destaques daquele período costumavam expor. Fiz minha primeira insolência com o amigo: “Não vim pro Rio para expor em Niterói”.

Passado a indelicadeza, fui convidado por indicação do Paulo para uma mostra no Planetário da Gávea, ‘Arte no Espaço’ ou algo parecido com curadoria de não me lembro quem... e me avisou: “Chega cedo porque é importante na escolha dos lugares”. Fui o primeiro a chegar, mas escolhi um lugar tímido com pé direito baixo, no entorno do planetário. Era uma tela grande de uns 5 metros na dimensão horizontal, em amarelo e rosa: “Ciel de Paris avec Santos-Dumont et Brigit Bardot”. Como era de hábito, depois a tela foi recortada para ser reaproveitada em outras pinturas.

Após fixar a tela, apareceram algumas pessoas da montagem propondo que eu colocasse meu trabalho no hall de entrada com um pé direito exuberante, creio que com mais de cinco metros de altura, junto a pintores que haviam passado pela Dokumenta de Kessel. Mudei a tela para o local preferido. Me senti muito feliz e até comemorei com algumas cervejas no baixo Gávea.

Na manhã seguinte, dia de abertura da mostra, passei no local para ajustar a obra, checar detalhes e fui surpreendido com a informação de que deveria voltar com minha pintura para o local original. Calmamente informei que não voltaria, pois eles tinham colocado um doce na minha boca e agora pretendiam tirar... não concordei. Pediram um prazo para resolver tudo até o meio dia. Como até aquela hora nenhuma decisão estava firmada, peguei minha tela, enrolei e fui embora.

No vernissage, Paulo Herkenhoff chega irritado com minha atitude e após minhas explicações ele concorda. E minhas novas pinturas continuavam inéditas na cidade maravilhosa...

[ilustrando: um estudo do período, 1983]

maio 11, 2010

Pinturas Cariocas


Exposições, palestras, tudo... praticamente só pintura. Iniciei nessa época, 1983, as primeiras PINTURAS CARIOCAS. Morando no Jardim Botânico, próximo a Lygia Pape e Tom Jobim. E com a mente no neoconcretismo e na bossanova!

No início, os primeiros estudos foram desenvolvidos sobre formatos retangulares, mas logo passei a fazer recortes nas telas para sair da prisão do suporte. Como Matisse...

Nessa época, além de freqüentar os papos de Aluísio Carvão no MAM tinha a atenção do Paulo Herkenhoff, que foi na época meu principal interlocutor e incentivador, desejoso de emplacar um artista capixaba entre os nomes nacionais. Além da ‘tia’ Lygia Pape, sempre disponível para os papos e opiniões adequadas...

Trabalhei muito, muitos meses até chegar a um resultado que me deixou satisfeito e que frutificou durante cerca de vinte anos. Os últimos trabalhos dentro desses conceitos e estética foram realizados em 2004, na série ‘Chega de Saudade’ apresentada no lançamento da ‘Bíblia’, no Museu de Arte do ES.

Ilustrando: ‘Pintura Carioca’ acrílica s/ madeira recortada, 1988 – col. Luizah Dantas.

março 31, 2010

Rumo ao Pós-Tudo


Caos e falta de perspectivas em Vitória, o destino me leva pro Rio de Janeiro, acho que no final de 82 ou início de 83.

O período coincide com a saturação das vanguardas, a falência de algumas utopias e a emergência das teses pós-modernistas, germinadas na Bienal de Veneza de 1980, com curadoria de Achille Bonito Oliva, que dizia no texto publicado no catálogo geral da Bienal: “A nova arte se abebera no mais fundo de uma reserva inesgotável, onde abstrato e figurativo, vanguarda e tradição, vivem no cruzamento de uma pluralidade de reencontros.”

Hélio Oiticica e Glauber Rocha, dois sinalizadores... não existiam mais.

Com o estabelecimento dos paradigmas da pós-modernidade e o esvaziamento das posições políticas e estéticas que predominavam desde os anos 60, agora era o retorno ostensivo de valorização da pintura como forma praticamente única de representação artística naquele momento. E os donos de galeria praticamente substituindo os críticos na legitimação da importância das obras.

Na época eu ainda mantinha um código pessoal no desenvolvimento e apresentação de meus trabalhos: só mostrar onde eu estivesse residindo. Agora a paisagem seria carioca...

Já conhecia bem a cidade, pois a frequentava eventualmente e havia residido algum tempo no início dos 70. Primeira tarefa: freqüentar TODAS as mostras e palestras.

janeiro 25, 2010

Vida Dupla


Minha vida dupla, pra sustentar o vício de produzir arte não comercializável [naqueles tempos...] incluía atividades gráficas para revistas, jornais, além de inventar e estruturar, em 1976, a TVE do ES e no início dos anos 80 transformar os modos de se fazer rádio FM no estado do Espírito Santo, na direção da Tribuna, alçada rapidamente ao primeiro lugar em audiência.

Divergências nos rumos da implantação da TV Tribuna, questões pessoais e a baixíssima possibilidade de continuar desenvolvendo uma arte na dimensão dos meus desejos na cidade de Vitória [lembrando: não existia ainda a internet...] praticamente me obrigaram a deixar a ilha para uma segunda temporada carioca.

Lá, ainda no início dos 80, paralelamente à minha dedicação ao universo arte, fui escravo oficialmente pela última vez, tendo como ‘senhor’ Roberto Marinho e sua Rede Globo de Televisão. Como produtor executivo do programa Quarta Nobre tive uma experiência muito enriquecedora do ponto de vista do conhecimento dos mecanismos de realização de uma das maiores emissoras em atividade naquele momento no mundo.

No cotidiano dos estúdios - e sem grandes intimidades - algumas pessoas interessantes como Dina Sfat, Denis Carvalho, Malu Mader fazendo sua primeira novela, Paulo José, Renata Sorrah...

Mas no fundo é igual fabricar sardinha [pelo menos no que imagino seja ‘fabricar’ sardinha...] e antes de completar o segundo ano dentro dos estúdios sem jamais poder assistir ao por do sol [tinha que dar sorte no fim de semana...] perguntei se podia ir embora.

Foram muito gentis e me indenizaram [?] com uma pequena montanha de dinheiro! Depois ainda participei de alguns clips pro Fantástico, me divertindo com o amigo e diretor Ignácio Coqueiro.

Plim-Plim !

[na imagem, poladroid da foto do crachá global]

janeiro 24, 2010

Noturnos e o Pós-modernismo


De volta ao cubo branco. Centro de Artes Homero Massena, 1981.

Eis a síntese de um texto de época, publicado em A Gazeta, 11 de novembro de 1981:

Esta exposição seria outra

Quando marquei a data para a realização desta mostra, pensava em realizar um projeto ligado ao anterior Taru. Além de utilizar o mesmo espaço, voltaria ao uso do vídeotape, gás neon e plástico.

Tentaria, nessa experiência, chegar a uma linguagem acessível e pessoas de diferentes tipos de referências culturais. Ou seja: utilizando meios ainda sofisticados em nossa comunidade, tentaria fazer uma ‘arte popular’ no sentido de ser o mais compreensível possível.

Aí aconteceu o inesperado, ou esperado para mais tarde. Sempre desenhei, mas só incidentalmente utilizei desenhos em meus projetos. Tinha um relacionamento muito crítico e experimental com a arte. Usava uma linguagem representativa das transformações da época.

Curado temporariamente do vírus televisão, fazendo programação visual, me vi, numa média de seis horas diárias, envolvido com lápis e papel. E chegava em casa e continuava desenhando. Quando olhei em volta, descobri que tinha realizado alguns desenhos e estudos que me satisfaziam. Resolvi mudar a exposição.

Em 1972, em entrevista, afirmei que ‘jamais pintaria um quadro’. Logo depois já pensava diferente. Mas, até essa exposição jamais havia assinado um desenho.




Os desenhos NOTURNOS mantinham a tradição local, ainda não identificada/estudada pela academia naqueles anos, de um imaginário paisagístico mesmo que nem sempre real. Feitos com pastel sobre celulose.


Pois é... por caminhos imprevistos, estava me antecipando ou antenando para o que viria explodir em 84, com a chamada Geração 80, que eu veria nascer nas tardes do Parque Laje, no Rio de Janeiro. Além dos 36 desenhos expostos, a mostra incluía seis pinturas em acrílico sobre tela. O prazer da pintura!

[Mastro de São Benedito – coleção Museu de Arte do ES e Van Gogh – coleção Hilal Sami - desenhos em pastel sobre celulose, 42x64cm - Nenna,1981]

janeiro 23, 2010

Resistência Psicodélica



Dúvida total ao batizar o período 1970-79, mas de alguma maneira acho que faz sentido. Resistência à ditadura militar e seus tentáculos diretos na vida cultural, mas ao mesmo tempo psicodélica, pois já diluindo os significados de esquerda e direita e decifrando os novos paradigmas da fornada de maio 68.

Leia mais:
http://nennahistoriasdaarte.blogspot.com/2009/09/atualidades-i-fatiando-o-tempo.html

[poladroid: Nenna]

janeiro 22, 2010

Tempo | Taru


Finalmente um ‘cubo branco’. Ainda precário, em termos de iluminação e equipamentos, mas finalmente a província capixaba – sinal dos novos tempos de industrialização tardia – tem sua galeria de arte, batizada ‘Centro de Artes Homero Massena’.

Em 1979, planejei a mostra Taru [vocábulo botocudo que significa Tempo] como uma ‘retrospectiva em desenvolvimento’. Como novidade tecnológica aparecia o vídeo pela primeira vez, além do reaproveitamento dos embrulhos transparentes mostrados no MAM-Rio.


O vídeo, desaparecido, foi captado primeiro em película 16mm com fotografia de Jonas Conti e mostrava um ambiente caseiro com pinturas, gravuras, livros, discos, violão... sonorizado com os tambores guerreiros do Burundi e um poema de Carmélia Maria de Souza, interpretado por Tadeu Teixeira:

“De repente eu voltei aos meus cigarros
Eu comecei a futucar um punhado de livros
Eu remexi uma porção de jornais velhos e de velhas lembranças
E não demorou muito, eu já estava com todos os sintomas
De uma ameaçadora fossa agressiva. Das mais terríveis.
Dessas assim que obrigam a gente a jogar tudo pra cima,
Dar com a cabeça na parede, comer pedaços de estante,
E engulir todas as coisas que for encontrando pela frente,
Sem sequer ter o cuidado de mastigar.

Eu sinto que é preciso fazer alguma coisa,
Cantar, uivar, telefonar, providenciar enfim,
Que desgraça pouca é bobagem.

Não fazer nada é o mesmo que contribuir para a impressão idiota
De que essa vida é sem expressão.

Mas eu não vou ficar aqui, entregue às baratas, enquanto eu sei que a noite é grande. E a baderna é igualmente grande lá fora.

Eu resolvi, pois,
Conversar com você.”

A edição final – em moviola - foi feita em Paris, com Marinho Celestino, na Université de Vincennes, em maio de 78, quando a cidade comemorava os dez anos do outro maio. Depois transcrito para vídeo no formato U-Matic.

Nos embrulhos transparentes [com desenhos, textos, fotos antigas, polaroids...] um pouco do percurso que seguia por uma tentativa de novos caminhos... de terminar um ciclo.

A anistia próxima, e a pós-modernidade se insinuando no horizonte. Ponto final da ‘resistência psicodélica’.

[Fotos: Carlito Medeiros/A Gazeta]

janeiro 12, 2010

Tropicasso e censura


No final dos anos 70 a censura da ditadura militar brasileira era uma verdadeira piada, de péssimo gosto.

Em 1979 fui convidado a participar de uma mostra itinerante de artistas capixabas promovida pela Fundação Cultural [hoje Secretaria de Cultura], que começaria por Brasília. Na mesma época os desenhos eróticos de Picasso tinham sido proibidos de serem editados no Brasil, com repercussão internacional e reação em um abaixo assinado [iniciativa do meu amigo Jorge Mourão, em NY] com texto escrito por Allen Ginsberg que terminava dizendo algo parecido com “quando as paredes das galerias ficam nuas os muros das prisões mostram sua violência” e assinado por, entre outros, Miles Davis, Andy Warhol, Yoko Ono e John Lennon, Helio Oiticica...

Resolvi implicar. Escolhi três desenhos da série proibida e mixei com a gravura Triste Trópico, de 1975. Em Brasília passou despercebida, talvez por ser uma mostra ‘chapa branca’ de um estado de pouca significância.

Já tinha esquecido o assunto quando li um texto do professor Renato Pacheco no jornal ‘O Diário’ me defendendo da agressão recebida em Belém, noticiada no dia anterior no jornal ‘O Globo’, do Rio de Janeiro. O mitológico jornal capixaba fechou a redação e acabei não guardando o texto, que hoje deve estar entre os documentos deixados pelo escritor, juiz e folclorista capixaba.

Mas a notícia de O Globo sobreviveu:

“O secretário de Cultura do Pará, Olavo Lira Maia, mandou retirar da exposição que se realiza no Teatro da Paz, em Belém, algumas gravuras do pintor capixaba Atílio Gomes/Nenna, por considerá-las obscenas. A retirada dos quadros apressou o encerramento da mostra de arte, sob alguns protestos dos 22 artistas expositores e do público. [...]”

‘Muito Prazer’ no MAM carioca


O telefone toca. Por sorte estou em casa, já que em 1975 não existia celular... Do outro lado, a professora Stela Denardi me avisa que o crítico de arte do Caderno B do Jornal do Brasil [principal referência da mídia cultural na época] e curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro estava naquele momento no Centro de Artes da UFES, após visitar ateliês dos principais artistas locais selecionando possíveis participantes para uma grande mostra nacional que pretendia mapear os principais artistas em atividade na primeira metade da década.

Tinham me ‘esquecido’... [na verdade, maldição pura!]

O crítico era Roberto Pontual, o mais destacado e influente estudioso da arte brasileira naquele período. Quando cheguei, ele já estava saindo para o aeroporto, olhou rápido um pequeno portifólio e me convidou para acompanhá-lo porque gostaria de terminar a conversa sem perder o vôo. Tinha ficado curioso. Conversamos, ele embarcou e algum tempo depois a lista de convidados me incluía como único representante:

“Para alcançar e manter um mínimo de homogeneidade qualitativa no conjunto da mostra Arte Agora I / Brasil, 70-75, as minhas indicações de artistas fora do Rio de Janeiro, na área que me coube relatar como membro da Comissão Coordenadora, (além do Rio, o Espírito Santo, Bahia, Sergipe e Alagoas), restringiram-se a três nomes: os do Mario Cravo Neto e Bené Fonteles, em Salvador, e o de Atilio Gomes/Nenna, em Vitória.

Todos os três desenvolvem já há algum tempo trabalho que se caracteriza basicamente pela absorção da atualidade, sem o abandono, no entanto, da investigação de particulares que definiram a sua circunstância local. Estão em dia com as linguagens de hoje, e as praticam sem provincianismo, de igual para igual com os seus colegas dos centros ditos hegemônicos da arte brasileira atual. Visitam e habitam com regularidade esses centros, ou até o exterior, mas, como vem acontecendo entre nós felizmente com maior frequência, retornam sempre às cidades-bases, onde tem raízes crescentes de origem ou opção. [...]”
Roberto Pontual - Jornal do Brasil, 1976








Preparei duas esculturas de vidro, os ‘embrulhos transparentes’, com os textos minimalistas: ‘Muito Prazer’ e ‘E Agora?’ Despachei pro MAM e fui montar meu ambiente com a ajuda dos amigos Hilal e Beto Barradas. Originalmente os embrulhos seriam colocados sobre cubos de madeira, mas numa visita ao escultor Maurício Salgueiro ele reclamou que eles [os escultores...] haviam lutado tanto para destruir as ‘bases’ e me provocou para chegar a outra solução.

Linkei com o fato de na manufatura do vidro entrar areia como matéria prima e imediatamente o impacto estético que as dunas de Itaúnas havia me causado recentemente completou a viajem...

Muito Prazer! E agora?

[fotos Nenna - foto de Nenna e Hilal com saco de areia por Beto Barradas]

janeiro 08, 2010

Triste Trópico


“Uma exposição muito inteligente. Atílio/Nenna informa e conduz o espectador através de suas últimas experiências e apresenta um resultado sério, coerente, dimensionado na sua data e muito bem situado em relação às vivências que acumulou neste período”. Palavras do escultor Maurício Salgueiro no convite/programa da mostra ‘Triste Trópico’. Em outubro de 1975.



Como ainda não existia em Vitória um ‘cubo branco’, fui obrigado a trabalhar o precário espaço disponível no foyer do Theatro Carlos Gomes com um conceito hoje denominado ‘specific site’. Para lutar/complementar os espelhos do teatro, levei os meus. E trilha sonora de Tom Jobim.

O foco principal era apresentar a gravura que deu nome a exposição, impressa em off-set, com 32 das 100 cópias mostradas como num supermercado, tinha também a função de resolver o problema da insistência dos amigos em ter uma obra minha ‘na parede’, já que eu não frequentava o inexistente mercado de arte local.

O ambiente incluía ainda três espelhos e uma primeira versão dos ‘embrulhos transparentes’, que depois seriam mostrados no MAM carioca. Na imagem principal bastante deteriorada que ilustra este texto, vemos os três espelhos e as gravuras simetricamente colocadas nos stands. Em cima do cubo em frente aos espelhos, está um pequeno ‘transparente’.



A mostra foi um sucesso bacana e considerada ‘a mais bem sucedida exposição realizada em Vitória esse ano’, por Arlindo Castro, em A Gazeta, que dizia ainda: “Atílio/Nenna demonstra estar bem atento para a atual – mas que não é nova - tendência dos artistas gráficos nacionais de buscar, de procurar formular um design brasileiro. Isto é, que una o mais atual no panorama internacional a certos elementos, símbolos e cores próprios da cultura popular brasileira – que representa possivelmente o mais fértil ponto de partida dessa pesquisa, que não deixa de apresentar pontos em comum com a tropicália, particularmente com o trabalho de Hélio Oiticica e Rogério Duarte.”

Como sempre, deixei recado extra: “É necessário e urgente – nessa capital – que se crie algo que se possa realmente identificar como uma galeria de arte. Um museu fica pra mais tarde.”

[na imagem menor, a gravura 'Triste Trópico'. na foto final, detalhe do espelho 'Lost Tropical Paradise']

janeiro 07, 2010

Paraíso Tropical Perdido


Lost Tropical Paradise. A percepção/desejo de uma estética ‘tropical/antropofágica’, pós semana de arte moderna de 22 e tropicalismo - ainda sem as possibilidades da internet - se fortaleceu na grande babilônia entre a Bleecker St. e a 2ª Av.

E parti pruma viagem pelas praias e sertões até Terezina, no Piauí. Um mergulho na cultura popular, com destaque para as pinturas sobre vidro com transparências e papel laminado, que tinham influenciado diretamente as ‘Bandeiras’ e ‘Espelhos’ desde 1970. E a beleza das garrafas de areia de Timbau, no Rio Grande do Norte. Tristes Alegres Trópicos.

Na mesma época, 1973, rebocado por Rogério Medeiros, fui cair no universo mágico do Pixingolê, do Armojo, o Hermógenes Lima da Fonseca. Nas noites de lamparina pelos senderos entre Santana, Itaúnas e Conceição da Barra. Nos ensaios da realeza do Ticumbí, barqueando no Cricaré... ouvindo Jongos e criando amizade com Antonio Rosa, mestre do canivete e sua escultura originalíssima.

Os amigos mais próximos também participavam dessa sintonia naquele momento. Arlindo Castro [que gravou um compacto para o Bandes, com Reisados, Ticumbí, Jongo], Hilal [que pintou bandeira de São Benedito para o Ticumbi], Rogério Coimbra [ouvindo atento o mestre Pedro de Aurora], Flávio Santos [que fotografou muito]... depois o cineasta Orlando Bonfim, que documentou quase tudo e acabou ficando por aqui...

Até 1975 fiquei flutuando nesse universo, quando decidi mostrar novos trabalhos, mesmo com a cidade, Vitória, mais uma vez, sem uma única galeria de arte! O purgatório na província...

[foto do violeiro e mito do Ticumbí, Chico Danta, por Nenna]

janeiro 06, 2010

HO é fogo... Hot Long Distance Call


New York, Nova York. E não é que logo após postar o texto anterior sobre Helio Oiticica, um incêndio foi tostar alguns parangolés e outros babados, além de voltar o foco sobre seus significados na arte...

Mas continuando no longínquo verão de 1973... Enquanto não decidia se aceitava uma proposta de trabalho como entregador de flores ou voltava ao Brasil, mantive os papos quase diários com o Hélio, participando um pouco de sua vida no universo underground novaiorquino, seguindo o tema do warholiano Lou Reed : Take a walk on the wild side.

Além de perambular pelas ruas e avenidas, escrevi uma pequena coleção de poemas, editados em xerox com capa impressa numa minigráfica especializada em cartões de visita: “Hot Long DistanceCall”

Um dos poemas viaja numa noite jazzística, numa espelunca histórica [Five Spot] núcleo dos poetas beats, onde o próprio Charles Mingus, na porta usando uma sandália ‘franciscano’, me informou que o som começaria depois de meia noite! Um luxo de despedida!

Segue o poema:

mingus
- at old five spot, now two saints

beer/bass
bass/drums
drums/trumpet/bass/sax
sex
bass/piano

good music
and alcoholic
satisfaction.



Segue a vida:
Redescobrir o Brasil.

[foto cortesia: Tom Boechat]