outubro 08, 2009

NY – Led Oiticica


Verão de 1973 no hemisfério norte. Pós ‘Última Exposição' e decepcionado com o provincianismo capixaba, New York era uma aventura significativa de choque cosmopolita. Logo que cheguei, resolvido uns desencontros e já instalado na mítica Bleecker St., no Village, liguei pro Helio Oiticica que fez o convite pra uma visita naquele mesmo dia.

Próximo do por do sol, que para meu espanto só aconteceria após as '10 da noite', cheguei no loft da Segunda Avenida, e encontrei o Hélio com um secador de cabelos ligado e ouvindo rádio. Fez um pouco de charme, ligou pro João Gilberto falando da minha visita e dizendo que eu chegara bronzeado dos trópicos, com a mesma cor dos bahianos.

Este primeiro encontro foi super especial. Começamos a conversar sobre arte e o métier das vaidades e o papo foi de grande impacto no meu olhar romântico e desprotegido sobre o universo que tanto nos fascina e que o Hélio destruía com conhecimento e vivência. Nos sentimos amigos e cúmplices.

Entre um baseado e talvez uma taça de vinho, não me lembro bem, a conversa fluía viva e vez ou outra tangenciava os problemas cotidianos como a prisão de uma brasileira, da turma do meu amigo Jorge Mourão, no aeroporto com cocaína e que tinha ligado pra casa dele, do Hélio, o que valeu uma visita de agentes do FBI. Como bolsista da Fundação Guggenheim, conseguiu se livrar do problema que gerou um livro do Mourão: “Brazilian Connection”. Da mesma época é a série “Cosmococas”...

Muito complicado falar de drogas nos tempos atuais...

Mas o fato mais hilário da noite foi quando eu disse ao Hélio que eu tinha ganhado do meu anfitrião, o gaúcho Luiz Menna Barreto, um ingresso para o show do Led Zeppelin no Madison Square Garden. Ele me confidenciou a ‘inveja’ da situação e contou que tinha ligado a tarde inteira pra diversas estações de rádio concorrendo aos sorteios... e nada.

Como o papo se prolongou, acabei dormindo a primeira noite em NY numa das redes do projeto Cosmococas... sem coca e muito feliz.

[ilustração de Herbert Pablo para a ‘Bíblia’ – colagem foto Nenna de cabine automática e cartão postal]

outubro 02, 2009

Cine Vento Sul


No início dos anos 70 não se fazia cinema em Vitória. O ciclo dos anos 60 tinha terminado e a ditadura militar intimidava as iniciativas. Na adolescência tinha visto o curta “Kaput” de Paulo Torre, numa projeção improvisada, que me influenciou muito na opção pelos caminhos da arte.

Ainda sonhando com câmeras de vídeo, inacessíveis na província...

Creio que em 72, o amigo Beto Barradas, da família Monjardim, que morava no Rio e passava as férias em Vitória, apareceu com uma ‘filmadora’ 8mm, antecessora do super-8, e resolvemos produzir uns ensaios interessantes, em meia dúzia de filmes de pequena duração.

Entre eles o que mais gosto foi o “Mao Boba” [Mao, como Mao-Tsé-Tung] de Sagrilo com um roteiro meio nonsense em que uma mão saia pela porta semi-aberta de uma geladeira, etc... tudo em três minutos. É um trabalho que já mostrava os cuidados estéticos do promissor fotógrafo.

Eu realizei um estudo com os fotógrafos lambe-lambe do Parque Moscoso e ainda um curta filmado em Carapebus com Jorge Lessa e Ronaldo Barbosa, nus, com imagens frontais inclusive, em que coreografavam um duelo com armas invisíveis.

Na virada do século uma equipe do Itaú Cultural andou nos procurando e ninguém sabia das cópias. Até hoje...

Mas pelo menos o meu bang-bang parece que sobreviveu. Em 2003 quando a produção de imagens da minha Bíblia procurou Ronaldo para reproduzir um dos desenhos da série Noturnos, ele me avisou que estava com a cópia do filme. Quem sabe um dia possamos rever o pessoal na beleza dos vinte anos.

E em 1991, recuperei o filme Kaput, com a colaboração do cineclubista Marcos Valério. Telecinamos no Rio direto dos negativos que tinham sobrevivido, recuperamos o áudio [composto apenas de músicas e ruídos] e produzimos cópias em vídeo. E viva Paulo Torre!

[Na ilustração a capa do VHS com o filme Kaput, recuperado]