maio 31, 2011

Luxo e Lixo Cariocas



Após a coletiva 'Novos Cariocas' no Centro Cultural Candido Mendes, e muitas noites divertidas e/ou perigosas depois, decidi me despedir do Rio de Janeiro, 1983. Hora de realizar uma individual. Queria um local especial em que pudesse dialogar com a cidade. A Galeria Paulo Klabin, que passara a me representar, ficava no Shopping da Gávea e o lugar não me pareceu o mais indicado. Preferí arriscar num espaço que me emocionava: o pavilhão Victor Brecheret, no Parque de Esculturas da Catacumba, na Lagoa.





Um belo parque, inaugurado em 1979 e na época recebendo concertos de música erudita e jazz [Arthur Moreira Lima, Stanley Jordan...]. Mas o que mais me fascinava éra o acervo de esculturas espalhadas por entre caminhos e recantos de uma natureza bem cuidada: Bruno Giorgi, Franz Weissman, Sergio Camargo e duas relíquias de Calder: o móbile 'Rio' de 1951 e um 'stabie' de 1940. Tudo com vista para um belo cartão postal carioca: a Lagoa Rodrigo de Freitas.






Apenas o nome do parque, meio filme de terror , que remetiam a um antigo cemitério indígena, me assustava um pouco, acrescido do fato de alí posterirormente ter sido uma favela, destruída por um incêndio possivelmente criminoso. Mas seguí em frente...

E se os deuses protegeram minha exposição, o mesmo não se pode dizer das esculturas do lugar, como na matéria de O Globo, publicada em março último: "uma escultura do artista brasileiro Sergio Camargo foi quebrada e ficou esquecida em um canto do Parque da Catacumba, na Lagoa, Zona Sul do Rio. A administração do local não soube informar o que aconteceu com a obra, nem há quanto tempo ela está nesse estado..."

E os trabalhos do Calder!? Em novembro de 1984, as peças foram retiradas do parque, e transferidas para um depósito da prefeitura, onde foram desmontadas para restauração. Um ano depois, as duas esculturas de Calder desapareceram. Apesar do registro da ocorrência na polícia e da intensa divulgação do caso na imprensa, as obras nunca mais foram encontradas. Existem outros fatos semelhantes...

Enfim, realizada as negociações com a prefeitura carioca e assinados os compromissos, os encaminhamentos da produção só éram perturbados [perigosamente perturbados...] pela boemia. Cristina Pape, Paulo Herkenhoff e outros amigos enriqueceram com suas opiniões as pinturas em grandes dimensões - algumas com mais de cinco metros de comprimento - realizadas ao som da Bossa Nova e com espírito estético imerso no Neoconcretismo. O verdadeiro luxo carioca.

INTERMEZZO
O tempo expandiu... e a memória volta a ser anotada. No aquecimento dos neurônios, relembrei uma condição que me impuz com naturalidade até recentemente, e que acho interessante registrar: só realizei exposições/trabalhos nas cidades em que residia. Com exceção para uma provocação à censura federal em Brasília [mas que só se materializou em polêmica em Belém...] e como convidado de uma mostra representativa da arte brasileira no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Naquele momento isso me parecia importante no desenvolvimento das minhas idéas. Hoje acho uma besteira...

O motivo é simples: o conceito básico de 'aldeia global' via Macluhan já está implantado nas experiências em expanção na web. Com as relações artísticas, sociais e políticas sedimentadas nas redes sociais e nas ferramentas de uso generalizado, com destaque simbólico para o Google Earth e seu ainda rudimentar, mas impressionante Street View. Hoje nos sentimos presente até onde nunca estivemos.

maio 31, 2010

Lygia Clark e John Cage


Dois encontros, quase mágicos e singelos, marcaram com grande satisfação e prazer minha temporada carioca.

JOHN CAGE numa palestra na Funarte, no dia anterior a um concerto na Sala Cecília Meireles.

Se despedindo após a fala, com um sorriso carinhoso zen, Cage continuou próximo da mesa, como que a esperar a continuação do diálogo com os presentes. Como eu estava na primeira fila, fui dos primeiros a me aproximar.

Impressionado pela situação mítica, fiquei igual a um bobo trocando um olhar meio cúmplice com o mestre que percebeu a situação e foi muito gentil. Balbuciei uma pergunta que ele respondeu com delicadeza e... já estavam chegando Wally Salomão e sua trupe agitada, para comandar o final da festa. Inesquecível...

LYGIA CLARK num prédio de escritórios no centro do Rio.

Meu marchand Paulo Klabin, que tinha alguns ‘Bichos’ da Lygia no seu escritório/galeria na Gávea me fez o convite: ‘Sei que você é apaixonado, então apareça no encontro com a Lygia’. Era um encontro fechado, não divulgado e dedicado a colecionadores.

O lugar era um edifício antigo próximo da Embaixada Americana. Cheguei cedo e fiquei tomando um uísque. Ganhei uma cópia de um livreto editado em forma de cordel escrito pela Lygia, mas estava meio deslocado no ambiente sem conhecer ninguém além do Paulo.

De repente a porta do escritório se abriu e lá estava ela, no momento parecia minha mãe. Logo atrás vinha um verdadeiro séquito de umas oito pessoas. O ambiente se transformou. Ela caminhava calmamente, chegou próximo a mim e cumprimentou. Fui o único a receber esse tratamento... depois ela entrou num outro ambiente fechado, de onde não mais saiu nos trinta minutos seguintes que permaneci no local.

Acalmei minha excitação com mais algumas doses de uísque e voltei pra casa para uma noite feliz!

[ilustrando: montagem Lygia e Cage, imagens da internet sem créditos]

Veredas Mutantes

1. MUDANDO DE NOME

Ainda em 83, ao perceber as transformações radicais no sistema da arte, acreditei ser o momento apropriado para uma mudança de nome. Atílio Gomes Ferreira = Nenna. No início Nena B.

Pretendia desenvolver uma carreira internacional e o novo nome foi criado em função disso. Já tinha percebido, em viagens pelos Estados Unidos e Europa, as dificuldades que o nome original trazia na pronúncia, além de eu não ter participado – claro – da escolha. Queria me livrar das ‘energias’ que o nome trazia...

Ao ler uma matéria jornalística sobre o fato de alguns índios da Amazônia trocarem de nome durante a vida, se apropriando de outros e dando em troca um presente, fiz o mesmo ritual. Presenteei meu irmão Antônio com uma gravura e me apropriei de seu apelido.


2. COCAÍNA

Os anos 80, trouxeram além da pós-modernidade, a mudança da droga de plantão: a singela e sensível cannabis passava a segundo plano, enquanto a hiperativa, agressiva e avassaladora cocaína assumia a cena.

Comecei um período de abuso que se refletiu nos relacionamentos profissionais e pessoais, amplificados pela insatisfação com o mundinho careta e superficial que a arte tinha tomado. Deixava de existir um relacionamento crítico/jornalístico e passava a imperar o poder dos marchands e colecionadores, pois a curadoria e o universo acadêmico ainda não tinham chegado ao estágio de poder que desfrutam atualmente.

Hoje enxergo claramente a influência da droga nos aspectos negativos de minha individual [não do ponto de vista das obras, mas da produção, divulgação e decisões] assim como no meu distanciamento de Paulo Herkenhoff.

[ilustrando: estudo para Pintura Carioca, 1984]

maio 27, 2010

Outras Veredas


Enquanto decidia na escolha do espaço pra primeira individual, navegava pelas águas do Rio.

Como numa tarde no Aterro, caroneado mais uma vez por Lygia Pape e ouvindo os detalhes de como ela tinha encontrado Helio Oiticica: estranhando a falta de notícias combinadas, ela foi até o apartamento e depois de conseguir entrar encontrou o Hélio com a mão esticada em direção da porta, caído no chão. Era o adeus terrestre, após uma noitada na Mangueira...

Já no Parque Laje, cenário do Geração 80, encontro com o filosofo ‘underground’ Luiz Carlos Maciel que me convida para dirigir um vídeo que faria parte da montagem de ‘Jango’, texto de Glauber Rocha. Após alguns ensaios e reuniões o projeto desandou...

Ainda nas cervejas do Parque Laje faço minhas críticas ao ambiente ‘careta’ que o pós-modernismo tinha inserido no ambiente... com Hilton Berredo comento sobre a reativação do Salão Nacional, e aviso que não participo de ‘concursos artísticos’, mesmo tendo recebido sinalizações que eu teria altas possibilidades de ser incluído. O Hilton, que na época desenvolvia uma obra interessante, em alguns momentos influenciada pelos ‘Trepantes’ de Ligia Clark discorda, se inscreve no salão e... fica de fora.

Na mesma época, verão de 1984 já morando no Leblon, escrevi o longo poema/argumento para um vídeo, ‘Vereda Tropicália’, que narra uma viagem partindo do Rio, que percorre o norte do Espírito Santo. Lançado pela editora Ímã, de Sandra Medeiros, no ano seguinte.

“próximo daqui,
o chefe pojichá,
guerreiro vakman,
botocudo,
acreditando na paz
descansava em paz.

acreditando na paz,
foi trucidado. ele e toda a sua tribo.”

Galerias da cidade e um ‘novo Estilingue’

Após a mostra ‘Novos Cariocas’, chegou o momento de procurar uma galeria para comercializar as pinturas. Seria minha primeira experiência no mercado de arte.

Numa rápida passagem por Vitória, encontrei um velho conhecido, o poeta Reynaldo Jardim. Também amigo da Lygia Pape, ele me pediu para entregar alguns livros para ela. Ao chegar ao Rio, liguei pra Lygia e combinamos um encontro na Petite Galerie, em Ipanema, de Franco Terranova.

E após o encontro eu seguiria para a galeria do marchand Paulo Klabin, um dos principais em atividade na cidade, para um encontro no final da tarde. Estava negociando com ele, por indicação de Graziella Debbane.

Lygia teve problemas e desmarcou o encontro. Como não existia celular foi impossível me avisar a tempo. Aproveitando o interesse e curiosidade do Franco, acabei mostrando para ele imagens de minhas pinturas e deixando algum material sobre minha trajetória, mas informando das negociações que ainda faria com o Paulo Klabin. Saí feliz da galeria, com a promessa de que se meu papo não progredisse na Gávea, ele teria interesse no meu trabalho.

No mesmo dia fechei com a Galeria Paulo Klabin, na Gávea, e iniciei os preparativos para uma individual. Por alguns meses, mensalmente entregava duas pinturas ao marchand e recebia uma boa grana...

Mas desse encontro com o Terranova surgiu um caso que ainda não decifrei. Entre o material que deixei com ele, estavam imagens e críticas sobre o Estilingue. Passado algum tempo, quando eu já tinha retornado a Vitória, fui informado de que uma artista tinham construído um ‘Estilingue’ em frente a Petite Galerie! Dizem que existe uma matéria grande publicada na época no Jornal do Brasil... algum dia vou consultar os arquivos.

[ilustrando: PINTURA CARIOCA - acrílica s/ tela recortada, 195 x 140 cm - col. Paulo Klabin]

maio 26, 2010

Outras pinturas e as ‘Cores Voadoras’


Recentemente, numa rede social, um amigo relembrou da visita que fez ao meu atelier/residência no Jardim Botânico, em 1983. E interessante, falou das pinturas que eu estava fazendo usando aparelhos de TV como suporte, aproveitando dois que se encontravam em estado precário. Não passaram de estudos, depois descartados...

Mas lembrei de outra tentativa interessante de levar cores para suportes menos previsíveis: as ‘Cores Voadoras’.


A idéia era utilizar os pequenos aviões de publicidade que circulam pela orla nos dias ensolarados exibindo anúncios, para ‘expor’ faixas coloridas dentro da estética das ‘Pinturas Cariocas’. Cheguei a fazer alguns estudos e orçamentos, em 1984, mas não aconteceu.

Em 2007 resolvi retornar ao tema e fiz novos orçamentos e estudos. Vamos esperar o vento adequado.

[Ilustrando: estudo para a retomada, 2007 e estudo original de 1984]

Novos Cariocas

Após a encrenca do ‘Arte no Espaço’, pouco tempo depois Paulo Herkenhoff consegue me incluir, mais uma vez, numa outra pequena coletiva muito bem produzida no Centro Cultural Candido Mendes, batizada de ‘Novos Cariocas’.

Dessa vez saiu tudo tranquilo. Me lembro que participaram uns dez convidados definidos como ‘novos artistas que estavam se destacando no Rio de Janeiro’. Se não estou enganado, a curadoria foi do Marcus Lontra, um dos organizadores do evento ‘Geração 80’.

Na abertura a Lygia Pape elogiou muito o meu trabalho, não apenas a pintura, mas também a solução de adesivar a tela diretamente na parede. Era uma grande tela, com cores pastéis e seis metros na dimensão horizontal, da qual restou uma foto feita por Sagrilo. E como sempre, reaproveitada em outras pinturas...

Foi tudo bacana, mas na época, 1983, eu não sentia praticamente nenhum entusiasmo por coletivas. Adorava trabalhos coletivos, mas tinha dificuldade em me ‘misturar’ com outros artistas quando não existia qualquer relação intelectual ou afetiva. Então, o caminho natural sinalizava uma mostra individual.

[ilustrando: Pintura Carioca, 1983 exibida na mostra – foto Sagrilo]