setembro 21, 2009

Ame-o ou deixe-o | Amo-o & So Long


A ditadura dos generais mandou o recado: “Ame-o ou deixe-o”. Publicidade onipresente na mídia, nos adesivos aplicados nos vidros dos carros, nos cartazes, no Brasil que vai vai pra frente... logo após a copa do mundo 70. Brasil do general Emílio Garrastazu Médici. E toma censura e toma autoritarismo reacionário e violento nos costumes e política.

E lá fui provocar, no Serviço de Turismo da Prefeitura de Vitória, que ficava num sobrado atrás do Teatro Carlos Gomes. Com um carimbo e um cubo que servia de base para as pessoas carimbarem a vontade: “Amo-o e So Long”.

Batizei a ação de ‘Brasiliana’, já pensando vivenciar novos ares no exterior, numa espécie de autoexílio voluntário e fugaz.

No cubo, além de poesias se destacava também uma faixa verde e amarela, dessacralizando as cores que os militares se apoderaram sem cerimônia, como propriedade da ditadura.

A pesquisadora Almerinda Lopes em texto ainda inédito fez leitura consistente do evento, do qual extraímos pequenas passagens:

“O ato de carimbar assumia, portanto, uma conotação irônica, alertando da ação repressora da ditadura militar, numa época em que carimbar era sinônimo de reprovar, e um simples carimbo interditava a concretização de sonhos, tornando inelegíveis muitas tentativas de agir, dizer e exprimir. O carimbador era nada mais nada menos que um repressor insensível, que reprimia a liberdade, condenando à inação e ao absoluto silêncio.

O teor irônico da proposta manteve-se, no entanto, velado ou passou praticamente despercebido aos militares e ao público capixaba, que tinham dificuldade em fruir esse gênero de manifestação plástica, pelo seu ineditismo, apesar de que tudo aquilo que destoasse da norma era não raramente interpretado como afronta ou provocação.

O potencial criativo e o desprendimento do jovem capixaba não deixam de ser surpreendentes, tanto por ele viver e trabalhar distante dos centros hegemônicos do país; segundo porque ao pôr em xeque os valores artísticos do passado acadêmico que ainda imperavam no meio local, Atílio Gomes Ferreira [Nenna] se propunha assumir um outro desafio: pôr o público do Espírito Santo em contato direto com a arte contemporânea, retirando-o do isolamento e libertando-o da camisa de força do atraso cultural.

Para se entender melhor a ousadia do jovem provinciano, basta citar que ele parece ter antecipado determinadas proposições da arte conceitual, se atentarmos que um dos mais refinados e instigantes artistas brasileiros que começava a atuar naquela mesma época - o pernambucano Paulo Bruscky - só realizaria a obra denominada: “Confirmado é arte” em 1977, a qual lembra, de algum modo, a citada Brasiliana I, de autoria do jovem capixaba. Por viver também numa capital periférica e realizar um gênero de trabalho que não é absorvido pelo mercado e que se distanciava muito da sintaxe da maioria de seus conterrâneos, Paulo Bruscky permaneceu no anonimato e sem vender uma única obra praticamente até 2004, quando recebeu em seu atelier a visita do curador da XXVI Bienal Internacional de São Paulo, Alfons Hug.

O exemplo apenas ilustra como, no campo artístico, muita coisa precisa ainda ser avaliada, para que se possa desfazer certos equívocos e injustiças, o que não descarta a possibilidade e a esperança de que, num futuro próximo, o significado da contribuição de Nenna à arte contemporânea capixaba venha encontrar o devido reconhecimento e compreensão.”

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